A beleza que inclui: novos produtos reacendem o debate sobre acessibilidade e Fashion Law
- JURÍDICO FASHION

- há 1 dia
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A pauta da acessibilidade na indústria da beleza nunca esteve tão presente — e tão urgentemente necessária. São 1,3 bilhão de pessoas no mundo com algum tipo de deficiência significativa, segundo a OMS, e 14,4 milhões apenas no Brasil. Ainda assim, a experiência de compra e uso de produtos cosméticos para esse público continua repleta de barreiras: embalagens difíceis de abrir, frascos pesados, ausência de descrição acessível, sites incompatíveis com leitores de tela e texturas que dificultam a aplicação independente.

Esse cenário evidencia um ponto central do Direito da Moda: a acessibilidade não é apenas uma escolha de branding, é obrigação jurídica, atravessada por direitos do consumidor, normas de inclusão, diretrizes de acessibilidade digital e deveres empresariais de não discriminação.
Nos últimos meses, esse debate ganhou força com produtos inovadores que propõem soluções reais. O exemplo mais simbólico vem da Rare Beauty, de Selena Gomez, que lançou seu primeiro perfume em um frasco de design inclusivo, com formato ergonômico e borrifador acionável com a palma da mão inteira. A motivação é pessoal e contundente: a dificuldade da própria fundadora em executar tarefas simples devido ao lúpus trouxe para a marca uma diretriz que vai além do marketing — uma diretriz ética, que dialoga diretamente com o conceito jurídico de acessibilidade razoável.
A partir desse movimento, grandes conglomerados aceleram suas iniciativas. A Estée Lauder desenvolveu o Voice-enabled Makeup Assistant, ferramenta de maquiagem guiada por voz que atende pessoas com deficiência visual. A L’Oréal avança com o My Aura, dispositivo automático para aplicação de fragrâncias, e com o HAPTA, aplicador computadorizado que corrige tremores ou limitações motoras. Esses produtos representam, na prática, os primeiros passos de uma tecnologia assistiva mais sofisticada dentro da indústria da beleza.
Porém, ainda que esses avanços sejam celebrados, os números mostram um descompasso crítico. Relatórios internacionais apontam que, embora marcas inclusivas cresçam 1,5 vez mais rápido do que as demais, 95,1% das pessoas com deficiência afirmam não encontrar opções suficientes no mercado. É exatamente aqui que o Direito da Moda entra como um pilar regulatório, ético e de governança: os produtos não são inclusivos porque “seria bom que fossem”; eles precisam ser inclusivos porque a legislação consumerista exige tratamento adequado, informação clara, acessibilidade e prevenção de barreiras.
No Brasil, há movimentos sólidos, como a Natura, que desde 2013 adota o sistema braille em suas embalagens, e o Grupo Boticário, que cocriou pincéis acessíveis com a comunidade Beleza Livre. Esses produtos trazem marcações táteis, cabos ergonômicos e mecanismos ajustáveis — soluções que dialogam diretamente com a dignidade do consumidor e com a redução de assimetrias no mercado. Em 2024, o grupo apresentou ainda o Batom Inteligente, desenvolvido com sensores e IA capazes de diferenciar pele e lábios, auxiliando pessoas com deficiência visual ou mobilidade reduzida na aplicação precisa.
A presença dessas tecnologias revela uma tendência irreversível: acessibilidade como valor corporativo e como norma de compliance. A falta de produtos inclusivos pode caracterizar práticas discriminatórias indiretas, falhas na prestação de serviços, vício de informação e até violação do dever de acessibilidade previsto pela legislação nacional. Para além do aspecto jurídico, há um imperativo reputacional e de mercado: consumidores PCD, antes invisibilizados, emergem como protagonistas de uma nova economia da beleza.
O olhar sensível e estratégico de fundadoras como Marcella Derze, da Stellar Beauty, reforça essa mudança cultural. Sua marca lançou um secador mãos livres — pensado a partir da vivência de sua tia com Parkinson — e uma escova ultraleve que pesa menos de 100g. Esse tipo de inovação evidencia um princípio central para o Fashion Law contemporâneo: a inclusão nasce do design, da intenção e da escuta ativa.
Entretanto, como afirma a influenciadora Marina Melo Abreu, “nem tudo vai servir para todo mundo, especialmente quando se fala em acessibilidade”. A indústria ainda caminha lentamente, muitas vezes limitada por estrutura, pesquisa ou desconhecimento. O desafio jurídico e mercadológico que se impõe é construir acessibilidade não como exceção, mas como método. Um processo contínuo, planejado e acompanhado por profissionais diversos — inclusive pessoas com deficiência — dentro das próprias equipes de criação, marketing e desenvolvimento de produto.
A inclusão na indústria da beleza, portanto, deixa de ser pauta meramente estética e transforma-se em pauta regulatória, afetando relações de consumo, diretrizes de design, padrões de embalagem, acessibilidade digital, governança corporativa e responsabilidade social. É um campo em expansão dentro do Direito da Moda — e que exige não apenas inovação tecnológica, mas compromisso jurídico, representatividade e comunicação transparente.
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