O luxo volta à razão: o novo capítulo do consumo consciente no mercado de alto padrão
- JURÍDICO FASHION

- 13 de nov.
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Depois de anos de euforia, crescimento acelerado e elevação constante dos preços, o luxo global parece, enfim, retomar o caminho da razão. O estudo da Luxurynsight e LY Trends (Heuritech) sobre o primeiro semestre de 2025 revela uma virada inédita: o setor de bens pessoais de luxo — avaliado em 364 bilhões de euros — registrou uma queda de 1% em 2024, representando a primeira desaceleração significativa desde o pós-pandemia. Esse dado, ainda que modesto, carrega um simbolismo profundo. Ele reflete não apenas um arrefecimento econômico, mas também o início de uma reconfiguração estrutural do setor — uma transição do luxo ostentatório para o luxo consciente e experiencial.

O contexto macroeconômico global explica parte dessa mudança. A retração do consumo nos Estados Unidos e na China, aliada às novas políticas tarifárias norte-americanas e à valorização do franco suíço, impôs um novo ritmo ao crescimento. A volatilidade cambial, os custos logísticos e a saturação de alguns mercados asiáticos pressionaram as maisons a repensarem suas estratégias de expansão, priorizando qualidade sobre quantidade, proximidade sobre globalização e experiência sobre produto.
O relatório mostra, por exemplo, que as marcas de luxo reduziram em 2% o volume de ativações — campanhas, eventos e lançamentos — em comparação ao mesmo período de 2024, mas aumentaram em 48% as ativações de varejo experiencial, transformando boutiques em verdadeiros templos culturais.
Em Xangai, o espaço “The Louis”, da Louis Vuitton, é um dos símbolos desse novo formato: um ambiente multissensorial com café, exposições e salões VIP, projetado para construir uma relação emocional e de pertencimento com o cliente. O mesmo ocorre com a Dior Gold House, em Banguecoque, que mistura arte, moda e lifestyle. Essas iniciativas indicam um deslocamento do luxo de massa para um luxo relacional, voltado a experiências únicas e à imersão sensorial, um fenômeno que tem repercussões diretas no Fashion Law, sobretudo nas áreas de licenciamento de imagem, contratos de co-branding e direitos autorais aplicados a experiências de marca.
Outra transformação estrutural está na valorização das ativações locais e culturais. O estudo aponta que marcas como Louis Vuitton, The Row e Loewe vêm incorporando elementos da cultura regional para fortalecer o vínculo com o público jovem e digital. Eventos como a Fête de la Musique e a Milano Design Week tornaram-se plataformas para colaborações transdisciplinares, unindo moda, arte e design. Essa nova dimensão cultural expande o alcance jurídico da moda, exigindo análises contratuais mais complexas que envolvem direitos autorais, curadoria de obras, proteção de design e gestão de propriedade intelectual em experiências imersivas.
Do ponto de vista econômico, o estudo da Luxurynsight mostra sinais de normalização de preços — um contraste com o aumento exponencial observado no período pós-Covid. O preço médio da marroquinaria subiu apenas 1,2% globalmente, indicando o fim do ciclo de reajustes agressivos. O Japão foi exceção, com aumento de 1,9%, para compensar a desvalorização do iene. Essa desaceleração de preços é estratégica: diante da pressão sobre o poder de compra, as marcas buscam preservar o valor simbólico do luxo, e não apenas o valor financeiro. Isso revela uma dimensão jurídica importante — o equilíbrio entre a percepção de valor e a proteção da marca registrada, já que políticas de preço e exclusividade influenciam diretamente na diluição de marca e concorrência desleal.
Entre os segmentos analisados, Perfumes e Cosméticos assumiram a liderança, representando 44% das ativações globais, superando Moda e Marroquinaria (32%) e Relógios e Joalheria (24%). O destaque do setor de beleza está em sua integração tecnológica. O relatório aponta que o mercado da beleza personalizada deve ultrapassar 44 bilhões de euros até 2026, impulsionado por IA generativa, modelagem 3D e análise de dados comportamentais. Parcerias como L’Oréal + NVIDIA e Estée Lauder + Google Cloud exemplificam o uso de tecnologia para personalização em larga escala — o que, juridicamente, traz novas fronteiras para o Direito Digital aplicado à Moda, sobretudo quanto à proteção de dados pessoais, propriedade intelectual de algoritmos e responsabilidade civil por personalização automatizada.
Em contrapartida, o setor de Relógios e Joalheria enfrenta uma conjuntura mais delicada. As tarifas de 39% impostas pelos EUA às importações suíças, somadas ao alto preço do ouro, impactaram a margem de lucro das maisons, forçando reajustes seletivos de 2,5% a 6,9%. A alta joalheria, porém, segue resiliente, sustentada pelos clientes top-tier, que representam apenas 0,1% dos consumidores, mas geram 23% do total das vendas. Esse dado reforça a crescente concentração do mercado e o desafio jurídico de equilibrar políticas de exclusividade, práticas antitruste e modelos de distribuição seletiva, temas cada vez mais presentes nas pautas de Fashion Law global.
No âmbito criativo, o estudo identifica um deslocamento estético rumo ao soft luxury — ou “quiet luxury” — caracterizado pela elegância silenciosa, materiais nobres e design atemporal. Três microtendências ilustram esse movimento: o Golfcore Chic, que combina esportividade e sofisticação; o Horse Girl Reclaiming, que resgata a herança equestre com uma abordagem moderna; e o Summer at Lord’s, inspirado na estética vintage do críquete. Essas tendências dialogam com uma lógica jurídica de preservação patrimonial e cultural, em que o design se torna ativo econômico e símbolo de identidade de marca — exigindo proteção de desenho industrial, trade dress e registro de elementos distintivos.
O relatório conclui que a combinação entre sustentabilidade, tecnologia e autenticidade define o futuro do luxo. Nesse cenário, o Fashion Law emerge como ferramenta estratégica, capaz de orientar as maisons na implementação de políticas ESG, contratos de tecnologia ética, due diligence de cadeia produtiva e compliance ambiental e de consumo.
O luxo, que antes se apoiava na escassez e no desejo, agora se estrutura na consciência e na regulação. O resultado é claro: o luxo volta à razão — e o Direito da Moda assume o papel de mediador entre estética, ética e economia.
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